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Jornalista conta como se reergueu após relação tóxica

Fernanda Baldioti se envolveu com um rapaz que teve vários comportamentos controversos: do ghosting ao gaslighting

Por Carioca Mag em 13/10/2024 às 13:01:44

Com que tipo de homem você tem se relacionado? Estou preocupado com a raça masculina". Foi o que Henri* respondeu logo após eu o elogiar dizendo que achava fofo ele me ligar para perguntar o que eu gostaria de tomar de café da manhã. Tudo parecia perfeito. Vários áudios amorosos, chamadas de vídeo programando a minha estadia por uma semana no apartamento dele, que fica em outra cidade. A relação era recente e foi acontecendo na velocidade 2 de um áudio de WhatsApp. Havíamos nos conhecido num app de relacionamento há uns três meses, mas só estivemos juntos pessoalmente duas vezes. Nos falávamos todos os dias por mensagens e ligações. Era uma delícia acordar com "Bom dia, alegria", "Bom dia, linda"... De noite, havia sempre mensagens carinhosas ou ligações.

Aquela chamada sexta à tarde me surpreendeu. Era um horário em que não costumávamos nos falar. Para além do que eu queria comer, Henri ainda disse que faria a reserva do restaurante para o meu aniversário. Também falou que trabalharia parte do tempo em casa naquela semana para ficar mais tempo comigo. Ali eu já sonhava com o nosso encontro no aeroporto, numa cena romântica. Faltavam pouco mais de 24h.

Henri sabia que, além de querer ficar com ele, havia outro motivo para a estadia: o pai da minha filha, que mora em outro país, viria passar uma temporada com ela. Era uma forma de aproveitarmos um raro momento de tempo para nós. Ser mãe 100% do tempo torna o recomeçar a vida amorosa algo mais desafiador. Sem falar no fato de trabalhar remotamente, o que diminui as chances de conhecer alguém. A saída era criar um perfil no app, algo que relutei bastante.

Henri planejou o fim de semana todo: eu chegaria, jantaríamos em casa, iríamos a uma festa de música eletrônica. No dia seguinte, acordaríamos cedo para eu ter a minha primeira aula de surfe. Na volta, veríamos a casa que eu pensava alugar e, mais tarde, iríamos a um evento de uma amiga minha.

Eis que... Na manhã de sábado, chega uma mensagem de voz de Henri na qual ele basicamente dizia que havia conhecido uma pessoa num jantar de um clube de networking, que haviam trocado mensagens e se encontrado. Ele dizia que se sentia péssimo e terminava assim, sem abertura para diálogo. Achei que fosse uma brincadeira. Ele já tinha feito algo do tipo uma vez para me provocar ciúmes. Liguei quatro vezes. Ele não me atendeu. Mandei mensagem: "Se isso é pegadinha, não tem graça. Se não, me ligue, por favor, porque preciso ver se cancelo minha viagem ou onde vou me hospedar". A resposta se limitou a: "Não é pegadinha. Desculpe".

Fiquei anestesiada e "sem teto" por uma semana. Foi aí que descobri na prática o significado de alguns termos que recentemente passei a ver nas redes sociais: love bombing, gaslighting, ghosting, zombieing, narcisismo, red flags...

O love bombing foi exatamente o que ele fez: me enredou com mensagens, com atenção. Certo dia, me escreveu: "Já não me ama mais?". Isso porque ficamos umas 10 horas sem trocar mensagens.

Para quem está de fora, parece óbvio. Quantas vezes ouvi: "Vai com calma". A verdade é que eu me forcei para caber na tentativa de superar conceitos preestabelecidos que todos nós temos. No fundo, eu sentia que aquilo não viraria uma relação duradoura porque tínhamos diferentes objetivos de vida. Mas ele, de forma muito sedutora, sabia dizer exatamente o que eu queria ouvir.

No nosso segundo encontro, disse que estava há tempos sem ninguém. E ainda afirmou que havia terminado há um ano um relacionamento que durou três porque ela não respeitava os pais dele. Henri contou ainda que, antes disso, era bastante mulherengo. Confessou que só gostava de conquistar as mulheres e que, quando conseguia, terminava. Tudo por conta do trauma de ter sido um adolescente esmirrado a quem ninguém dava atenção. Disse também que esse comportamento não o preenchia mais e, no fundo, o deixava mal de cabeça. Por esse passado, fazia "terapias holísticas" para se sentir melhor.

Diante do ghosting (desaparecimento), fiquei pensando se eu não tinha exagerado. Culpei-me por não ter ficado atenta às bandeiras vermelhas. Elas existiram. A verdade é que eu fiquei na dúvida se era mesmo a minha intuição ou autossabotagem. Quando chegou a mensagem, entrei no gaslighting (situação em que o outro te faz sentir uma louca): será que fantasiei tudo isso? Será que sou doida, carente?

Com a ajuda de amigas e terapia, vi que não. Não posso classificar o que Henri é. Ouvi termos como psicopata, sociopata, narcisista, bipolar, machista, escroto, babaca... Eu não queria saber. O importante era cuidar de mim. Após seu sumiço, tive crises de ansiedade. Passei duas semanas atordoada, numa verdadeira abstinência. Estava viciada naquela relação virtual. Perdi 1,5 quilo em uma semana. Não tinha apetite. Nada passava pela garganta, talvez por tudo o que estava entalado. Eu poderia ter xingado pelo WhatsApp? Poderia. Mas eu não faço esse tipo. E ficaria ainda pior caso ele não respondesse.

Como o mundo "encolheu" com a internet, uma amiga, Lidiane, descobriu uma conexão em comum com Henri. Fui, então, falar com ela. Os dois haviam se conectado também por aplicativo dias antes de eu comprar a passagem para encontrá-lo. Lidiane me contou que não levou o papo adiante porque, depois de dois anos solteira, percebeu na conversa que "o cara era do tipo que fazia love bombing". Ela parou a conversa quando Henri perguntou: "Já conheceu o homem da sua vida?".

No início, também o achei exagerado, passional demais. Cheguei a parar de responder. Mas aí vi um vídeo de um psicólogo que questionava por que não damos chance a pessoas emocionadas. Posso estar tirando o vídeo de todos os contextos ou ter feito a leitura conveniente para mim, mas bastou para que eu voltasse a procurá-lo e me deixasse levar pelas hoje nítidas técnicas de manipulação, característica do love bombing.

Dias depois do corte brusco, cheguei a pensar que ele havia entrado em pânico, com medo de se envolver. Por conta do relato sobre a ex, cogitei que devia estar pensando se estava fazendo o melhor para mim, tentando me proteger de um futuro que ele sabia que não teríamos. Uma semana na casa dele criaria mais memórias... Hoje, agradeço por não ter vivido isso.

Como disse Charlie Huntington, psicólogo especializado em relacionamentos românticos da Universidade de Denver, "o sinal mais claro do bombardeio do amor é que o comportamento é desproporcional à conexão entre as pessoas". É preciso atenção a indícios precipitados de compromisso. Como bem disse meu terapeuta, confiar vem de "fiar junto" e isso demanda tempo.

Tem muitas mulheres optando por um detox de homem, no movimento que vem sendo chamado de boy sober. Uma abstinência, por um período que pode chegar a um ano ou mais, para restabelecer a saúde mental diante de um acúmulo de relacionamentos frustrados com caras imaturos, indisponíveis, inconstantes, machistas. Preferi curar a ressaca de outra forma. Principalmente, reduzindo as expectativas. Por isso há tanta gente cansada dos apps: o dating burnout.

Fonte: O Globo

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